domingo, 5 de maio de 2013

marinho gallera & paulo vítola - onze cantos (1979)

Continuando nossos trabalhos, essa semana eu resolvi seguir na linha das apresentações. Em Onze Cantos não há nenhuma música de Leminski, mas o texto de apresentação do disco é dele. O que me impressionou foi o conhecimento técnico de Leminski sobre música. Com certeza ele devia estar estudando alguma coisa de teoria musical. Ele menciona "acorde perfeito maior", e a clássica classificação da música, "melodia, harmonia e ritmo". Tem muito músico que não conhece essas terminologias (não que deve, claro). O fato é que Leminski, também na música, não exitou em se informar, como em tudo que fazia.
O MAPA - Movimento Atuação Paiol, citado nesse texto de apresentação, rendeu um disco, que saiu pelas Edições Paiol, em 1976. Vocês encontram o Lp e mais informações sobre aqui neste blog. Quando Leminski se refere a "espaço", para Vítola e "tempo", para Marinho, está repetindo, mais uma vez, um discurso seu bastante recorrente. Espaço são as palavras inscritas no papel, é a poesia propriamente dita, o que ficou a cargo de Vítola, letrista. Tempo é a música, a melodia, feita por Marinho Gallera. A poesia de Leminski teve uma mutação nesse sentido, que passou do espaço para o tempo, quando deixou gradativamente seu aporte concretista para embarcar numa poesia mais próxima da estética das letras de canção popular. A observação vem dele mesmo, em forma de poema:

        Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
        na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
        Sôo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
        do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
        que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.

        E is a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
        e não cabe mais na sala
.

(Leminski, La Vie En Close)

Sobre o disco: uma das melhores coisas que eu já ouvi de música popular, produzidas no Paraná. É um momento importante da história musical do estado e que la nuova gioventú artística desconhece. Malhar os antigos é fácil, mas reconhecer bons trabalhos exige um pouco mais de esforço (sobretudo pesquisar). Refiro-me a uma parcela dessa juventude que só "fala mal", é claro, porque também tem uma galerinha aí olhando pra traz.
Como sempre, tem umas que a gente gosta mais do que outras, então, eu destacaria:
Musicalmente: Noturno (um jazz-bossa-nova de melodia inventiva e harmonia idem); Quatro Tempos (um xotezinho super bacana); Motivo (um chamamé dissonante. A cadência harmônica lembra muito uma guarânia de Marinho Gallera, do disco do MAPA, Que Há de Novo.)
Poeticamente: Balaio Cheio, (...como um rato na boca de gato, na boca de um cão/como um fato na boca de um ato, na boca de um não/mais perigoso que viver é pensar, mais perigoso que pensar é dizer/mais perigoso que dizer é cantar uma canção...); Águas Claras (...aprenda a me viver, depois me ame/aprenda a ser você, depois me seja...)
Logicamente que tudo vai depender da adequação entre ente melodia e texto, como diria Luiz Tatit. Então dividir canções assim, em música e texto, isoladamente, não é muito apropriado. Fiz isso aqui pra entrar no lance do espaço/tempo.

lmsk (mp3 + imagens)

O texto de apresentação:

Receita de Vítola e Marinho

Paulo Leminski

Pegue um poeta inspirado e um violeiro tipo exportação.
Não. Não vou refazer “Receita”, a canção da dupla que foi mais longe até agora.
Falo da formação de cada um, a composição dos compositores, e do lugar que eles ocupam em nosso “panorama” musical.
Na música popular curitibana (abram alas, über alles!), a parceria de Vítola e Marinho sucedeu como um acorde perfeito maior, maravilha qualquer, misteriosamente, feito todas as parcerias nesse velho mundo novo desparceirado.
Vítola: homem de texto como poucos, poeta desde sempre, também músico e compositor solitário, com um passado sonoro de muitas canções, afeito ao comércio com os grandes mestres da poesia e da música popular brasileira, Drummond, Cartola, João Cabral, Elton Medeiros, Manuel Bandeira, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, João Gilberto, Mário Quintana, tutti buona gente.
Marinho: tinha que ser do interior de São Paulo, terra de violeiros, rica de substância musical popular, sofisticando seus traços de origem, numa síntese, em seis ou doze cordas, de todas as vibrações que atravessam nosso campo acústico.
Trabalhador musical incansável, Marinho é ativo também no front de música para show de teatro, um dos terrenos favoritos de Vítola, por sinal (estão aí a sua “Cidade sem Portas”, sua “Curitiba Velha de Guerra”, seu “Diário de Bordo”, com ou sem Marinho, Vítola prefere com, vestígios claros da presença de música inteligente no planeta Curitiba).
A dupla foi uma das almas do MAPA, Movimento Atuação Paiol, série de shows-mutirão, no Teatro Paiol, saque de Vítola, que roteirizou, dirigiu e animou os dois primeiros MAPA (eu fiz o roteiro do terceiro e último show, quando Vítola, em 75, foi para o Rio numa entrada & bandeira). Os shows do MAPA arrebanharam os mais notórios compositores populares da cidade, no intento de “colocar a música popular curitibana e paranaense no mapa do Brasil.” Se conseguiu ou vai conseguir, ainda é cedo para dizer. Não tem dúvida que uma porção de coisa nasceu com os MAPA, principalmente, uma identidade e uma consciência própria nos participantes e nalgum público, principalmente, o pique de prosseguir em muitos dos mapeadores (ou mapeados?).
O percurso de Vítola e Marinho, a essas alturas, já não distingue da batalha por um lugar ao sol para o som e a voz deste temperado, imigrante e elétrico, caboclo e industrial, em busca do seu rosto, seu caráter próprio e seu cantar, o rosto e o cantar do Paralelo 24, onde Vítola, numa canção, descobriu sua terra.
Nas canções da dupla, a música de Marinho, concentrando cada vez mais suas forças harmônicas, melódicas e rítmicas, em líquidas arquiteturas de fino filão, e a poesia de Vítola fundem-se numa síntese original.
Espaço de Vítola, tempo de Marinho.
Este disco.

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