terça-feira, 12 de novembro de 2013

Brilha O Cometa Caetano


BRILHA O COMETA CAETANO1
Simples, sofisticado: o “show” de Cae que estreou em Curitiba

Paulo Leminski


CORES, NOMES

Se São Paulo já foi chamada de túmulo do samba, Curitiba, de certa forma a principal cidade do interior de São Paulo, era até a pouco a pirâmide com ar condicionado de todas as artes, onde jazia, impávido colosso, o sarcófago do vampiro daltônico (de Dalton Trevisan, por favor).

Todavia ventos mais cálidos começam a soprar entre os ipês da única capital do Brasil que, uma vez na vida, vê neve.

A ponto de Caetano Veloso dar partida na tournée nacional do seu show Cores, Nomes no burgo de Jayme Lerner, quando uma experiência de urbanismo social-democrata, quase européia, orquestrada pelo própria burgomestre, está substituindo o (raro) calor atmosférico pela tepidez humana do convívio e do encontro.

Pasmo foi ver Caetano substituir uma ojeriza antiga, conforme ele mesmo conta, por uma paixão inesperada.

“Gosto das coisas que dão certo.”

E exemplificou:

“A Rede Globo, Curitiba...”

Quem lotou o Guairão nos três dias de Cores, Nomes foi uma Curitiba especializada. Os caetanistas são gente especial. Os muito jovens, os não tão jovens, um tanto ou quanto contraculturais, artistas, artistas da vida ou em idade de arte. Para eles, em Curitiba Caetano apresentou, em première nacional, seu show mais simples e mais sofisticado. Algumas cores. Alguns nomes. Momentos de estesia. De beleza pura, terreno no qual Caetano é imbatível. Afinal, que mistério tem Clarice?

Ao longo de quase trinta músicas, o mago de Santo Amaro vai entremeando antigos sucessos com as canções do seu mais recente LP, um meandro caprichoso, que tem seus orgasmos na caetaníssima Sina, de Djavan, a mais nova paixão musical do “Cavaleiro de Jorge”.

Esta, aliás, a música com que começa a cavalgada das tropicais valquírias de Cores, Nomes.

Daí, Caetano salta para Cajuína, Menina do Anel de Lua e Estrela, Badauê, do LP anterior, para desembocar em Ilê Ayê, deste LP, com letra do seu filho Moreno.

De repente, Caetano se lembra de Subaé e da urgência de purificá-lo, dando a esse riacho que atravessa sua terra a grandeza de um símbolo ecológico.

Cores, Nomes, vibram os políticos, traz um Caetano explicitamente preocupado como os problemas da tribo e da espécie. Lá está E Ele Me Deu um Beijo na Boca que não me deixa mentir. Esse beijo-provocação, de homem para homem.

Com sua movimentação roqueira, jaggeriana, Caetano toma o Trem das Cores, como se sabe, um veículo que só pára em todas as amizades coloridas de que este final de século é capaz.

Billy-hollydayana a interpretação de Meu Bem, Meu Mal.

E, no final, Caetano ainda se Queixa, pondo para fora, com o público, tudo o que um homem pode ter contra uma mulher.

Nesse show, by the way, Caetano continua o mesmo. O mesmo conjunto. O mesmo estilo de se apresentar. O mesmo nível de sempre do maior poeta-cantor da música popular brasileira.

O último a chegar é fã de Fagner.


1 Publicado na revista Isto É, em 12 de maio de 1982. Foi publicado também como anexo da dissertação de mestrado "Leminski lírico: um estudo sobre as canções do poeta Paulo". Disponível em: http://tede.ufsc.br/teses/PLIT0561-D.pdf.

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