terça-feira, 12 de novembro de 2013

Subversive Rock

SUBVERSIVE ROCK1 

Paulo Leminski


Titãs. Ultraje a Rigor. Legião Urbana. Ira! RPM. Paralamas do Sucesso. Lobão. Cazuza. Subversão, teu nome é "rock-and-roll".

Vamos lá, moçada. Vamos mostrar que era pouco, muito pouco, o que Geraldo "Caminhando" Vandré2, Chico Buarque, Sérgio Ricardo e Gonzaguinha nos apresentaram como jeitos de dizer "eu não quero", "não estou nessa", "o rei está nu".

Vamos dizer o que eles não podiam dizer. Bichos, saiam dos lixos3. Nós vamos invadir sua praia4. Me chamam de bicha, vagabundo e maconheiro, mas transformaram este país num puteiro5. Vai lá, Arnaldo, e berra, "Jesus não tem dentes no país dos banguelas"6. Filho de quê? Filho de quê? Nome de mãe não vale, Roger, do Ultrage?7 Quem não deixa dizer? Brasil escroto das mil bandas das garagens de periferia, você pensa que a moçada ia ficar quieta? Não seja idiota, Brasil. Isso que fizeram com você não se perdoa. A gente grita, a gente agita, a gente sua. Tua vez, Cazuza, herói e mártir das revoluções invisíveis, as terríveis mutações que ninguém previa. O monstro, a maravilha, o fantasma da ópera, Frankenstein de acrílico, os Inocentes do Leblon, lá vai um Beijo à Força8 e um jato de cuspe de ácido sulfúrico dentro do olho, Buñuel cão andaluz.

Entenderam? Não? Não interessa. Vamos ao que interessa. Estado violência, Estado hipocrisia. Toma vergonha na cara, Brasil. Brasil, você, Brasil, eu, Brasil, nós, Brasil, até transformar essa vergonha em nação. Polícia, para quem precisa de polícia9. Está precisando de alguma coisa? Sim, realmente, esta cidade está se tornando inabitável. Sim, eu disse inabitável. Não adianta mudar. Dentro de cinco anos, o paraíso vai estar como este lugar aqui. Bares em chamas, bares cheios, escolas vazias, todo mundo buscando um endereço dentro da explosão. Som? Passaremos a cavalo sobre os plácidos prados de Mozart, cossacos shiitas trucidando todas as ordens. E haja Jimmi Hendrix. E haja Janis Joplin. E haja gritos e ranger de dentes para você (EU DISSE VOCÊ!) que pensa que tudo não passa de alguma coisa que passa enquanto você não nota que tudo passa, como passa você. Você que não sabia (no fundo, você sabia) que alguma coisa monstruosa (UMA COISA MONSTRUOSA) ia acontecer no seu rádio, na sua vitrola, no seu vídeo, na sua videovida, sim, vai, está acontecendo. Você finge que não vê, não ouve, não sente. Isso é coisa de pedra, não é coisa de gente. Você está sentindo. Dói fundo. Dói tanto em você quanto em todo mundo. Essa dor vai longe. Você vai ver. Não existe bomba atômica que faça o "rock-and-roll" desaparecer. Sinto no ar um vazamento de usina nuclear. Respiro fundo. Explodir tudo é a melhor coisa deste mundo.

Não se iludam senhores. Arnaldo Antunes vai morrer. Renato Russo vai. Cazuza esta morto. Pelo menos, temos alguma coisa em comum. Essa mania de correr atrás de dinheiro. Esse desprezo pela miséria de ter nascido brasileiro. Essas coisas que a gente conhece pelo cheiro. Essa vida falsa, essas cenas que se reprisam, esse dia-a-dia que nos anestesia. Rock, a gente encontra em toda a parte, em Londres, em Tókio, em Marte. Agora, também em Moscou. Moscou, Moscou, "rock-and-roll", Lênin e Trótski, o vento levou. Quem diz o que rola agora? Raul, seixas o que fostes outrora! Pau na mula, pé na tábua, Nova York é logo ali. Força, moçada! Mais um pouco, e a gente já não nasceu no Brasil.

Calma, calma, não há razões pra pânico. O teatro está em chamas mas o décimo sétimo batalhão de bombeiros está a postos para resgatar as vítimas de primeiro, segundo e terceiro grau. Enquanto os feridos são socorridos, olhos e ouvidos atentos para os nossos patrocinadores.

NOTAS (Foi publicado também como anexo da dissertação de mestrado "Leminski lírico: um estudo sobre as canções do poeta Paulo", de onde foram retiradas as notas. Disponível em: http://tede.ufsc.br/teses/PLIT0561-D.pdf):

1 Publicado no jornal Folha de Londrina, em 14 de abril de 1989. O texto se inicia com uma colagem de letras de músicas de bandas de rock and rolI que surgiram como uma retomada do gênero na década de 1980, cuja ideologia subversiva atentava, em grande parte, para questões sociais. Vamos indicando algumas dessas referências durante o texto.

2 Geraldo Vandré ganhou evidência pela música apresentada no Festival Internacional da Canção de 1968, Pra não dizer que não falei das flores. Embora o autor não goste da "etiqueta", ficou estigmatizado, através dessa música, como um compositor de canções de protesto, que na década de 1970, fizeram resistência ao regime militar implantado no Brasil. Todos os outro compositores desse parágrafo também fizeram composição de conteúdo crítico à ditadura e à questões socais como um todo.

3 "Bichos, saiam dos lixos", excerto da canção Bichos Escrotos, da banda Titãs, lançada no disco Cabeça Dinossauro, 1986.

4 Nós vamos invadir sua praia é a faixa-título do disco da banda Ultrage a Rigor, lançado em 1985.

5 O período alude à canção O Tempo Não Para, do compositor Cazuza, lançada em 1989, em disco de mesmo nome.

6 Jesus não tem dentes no país dos banguelas é a sétima faixa de disco de mesmo nome da banda de rock Titãs.

7 Referência à segunda faixa, Filha da Puta, do disco Crescendo, da banda Ultrage a Rigor, lançado em 1989.

8 Beijo AA Força é o nome de uma banda de punk rock fundada em Curitiba, na década de 1980.

9 Referência a canção Polícia, lançada no álbum Cabeça Dinossauro, da banda Titãs, 1986.

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